sábado, 25 de maio de 2013

Do alto dos meus trinta


Ainda ouço o eco da criança que trago dentro de mim e seu sorriso sincero acha uma brecha e outra entre os de plástico. Brinca com as palavras vez em quando, foge à rotina, e se diverte com coisas simples, como sentir sob os pés as bolinhas da trilha para deficientes visuais na calçada enquanto caminha sobre ela para fazer o serviço de banco.
Ainda reflito a luz da vida nos olhos vez em quando, embora o olhar já colecione mais dias nublados do que de céu aberto. Vejo o passado com romantismo, o presente com realismo, e o futuro com utopia. Abro os olhos para ver além, mas fecho-os quando vejo longe demais. A vida impõe lentes, às vezes com o grau errado, mas aprendi a olhar com os olhos do coração. E quando me deixam sem visão, me quebram o olhar, aguço os demais sentidos.
Do alto dos meus trinta, vejo os dois lados da montanha: a escalada já feita, e a descida que se apresenta a seguir. Se costumava olhar sempre para o topo, agora vou olhar para os lados, admirar a paisagem, sentir o aroma da brisa da vida, e conversar com o próximo que provavelmente eu não via à beira do caminho.
Do alto dos meus trinta, vejo melhor as estrelas a me guiar e ouço nelas a voz de Deus. Ela me lembra o que já aprendi, e o que devo aprender daqui para diante. Põe-me defronte ao espelho das minhas virtudes e dos meus defeitos, e nele eu posso ver os caminhos percorridos e os a percorrer, numa visão panorâmica.
Eu posso ver a vida aos meus pés, do alto dos meus trinta.

(Danilo Kuhn)



quarta-feira, 27 de março de 2013

Eu sou uma gota d'água num mar infindo


Eu sou uma gota d’água num mar infindo. Ondas me carregam em seu movimento irresistível, muita vez a contragosto. Raios de sol me iluminam por eu não ter luz própria, me transpassam para me lembrarem da minha insignificância, e ainda assim, sirvo de abrigo a um microcosmos.
Eu sou uma gota d’água num mar infindo. Estranho perceber-se indivíduo e coletivo ao mesmo tempo. Sou gota d’água e mar, e o mar também sou eu. Dia desses, me encantei com o sol de verão e me elevei às nuvens. Tão bom dançar ao sabor do vento, dar-se asas. Mas nem tudo é encanto. De repente o tempo virou, o céu se emburrou e me mandou de volta ao mar. Vez em quando, chover-se é a solução, chorar-se, esgotar-se.
Eu sou uma gota d’água num mar infindo. Busco sempre o horizonte, onde o céu mergulha no mar. Certa vez, me disseram que eu era apenas uma gota no mar do mundo. Respondi que, assim como para iniciar-se uma revolução, ou para um copo transbordar, basta uma gota d’água.
Eu sou uma gota d’água num mar infindo.

(Danilo Kuhn)


terça-feira, 19 de março de 2013

Realidade virtual


Ao navegar na internet, naufraguei em águas turvas. À deriva, fui malhado pela grande rede e me vi enredado às mazelas do vício, pois já não mais sabia viver sem gastar minhas horas em frente ao computador. Minha vida era um Facebook aberto, onde eu compartilhava com nem sei quem meus sonhos mais profundos, alardeava aos meus inimigos minhas vitórias e segredos, confessava a estranhos meus desejos mais secretos, publicava minhas derrotas e como me derrotar, curtia a vida dos outros e me esquecia da minha, espionava os demais e deixava-me vigiar, dava de bandeja a desconhecidos minhas ideias mais valiosas.
Minha memória era compartimentada em Pen Drives e HDs externos. O que fazer quando se perde 80GB de si mesmo? Quantos gigabytes comportam minha alma? Cada gripe é um vírus de computador, um malware, um cavalo-de-troia que me infecta quando minha vacina, ou melhor dizendo, meu antivírus, expira?
Minhas lembranças de infância ainda estão em disquete, e agora meu PC só lê DVD... Meus finais de semana no sítio se tornaram postagens no meu site... Meus jantares e minhas festas se transformaram em fotos no Instagram. Cada coisa que pensava se materializava no meu diário público no Twitter. Eu mesmo, via atualizações, dava minha localização a quem quer que fosse, qual fosse sua intenção em me seguir, sequestrar, roubar.
Hoje, acordei para a realidade, deixei para trás os acessos, os downloads, as visualizações, os compartilhamentos, as curtidas, os comentários, o bate-papo, o e-mail. Vou respirar o ar fresco da manhã, sentir o gosto das frutas apanhadas no pé, o aroma das flores e das suas cores que me acenam, o sabor dos beijos, o brilho do sol, a dança das nuvens e das árvores. Conversas sem teclar. Leituras com o livro nas mãos. Músicas com a magia do vinil. Notícias com cheiro de jornal.
Nada se compara à vida real. Não se iluda com a realidade virtual.

(Danilo Kuhn)



terça-feira, 12 de março de 2013

Eu quero me alimentar de luz...


Nasce da terra fértil a dádiva da vida, espreguiçando-se em tons de verde-broto. Uma infinidade de aromas e formas a crescer, amadurecer. Cada semente que germina é um ser que vem à Terra. Uma alma que muita vez ganha mundo pelas mãos de seu carrasco. Vive a cabresto. Em regime de servidão. Escrava de seu senhor.
Eis que o ápice da vida da frondosa árvore lhe chegou. Enfim, deu frutos. Não há momento mais realizador que este, ver-se prenhe de vida, plena de filhos. A felicidade, que já quase não cabia em si, foi-lhe arrancada por mãos gatunas humanas e por bicos de aves-de-rapina. Sequestro. Roubo. Impunidade.
Nutre-se no ventre materno o leitãozinho porvir, confortável, aquecido. Suas faces serão rosadas, o pelo amarelo-caramelo com meticulosamente artísticas manchinhas negras. Fuçará a terra ávido de descobertas, alheio ao seu futuro já traçado desde antes da gestação. Nascerá para morrer. E não de causa natural. Sua morte já está agendada. Na lista de espera do açougue. Mesmo destino de seus irmãos. Vida nas mãos do carniceiro, no fio da faca se esvai.
Desmamado, o pequenino e desamparado bezerro café-com-leite clama pelo seio materno, o calor do peito, do afago de ganhar o sustento por meio de sua mãe. Chora em vão ao ver o leite quente jorrar em baldes frios como o estanho, sem chegar ao seu destino natural. Alma que coalha. Vida de gado.
A rondar o mar segue o cardume, bailando sob as águas ao som do azul-profundo. Suas escamas celestes refletem o lume róseo-amarelo do sol nascente. Por seu turno, o pescador lhes joga anzóis famintos, vernizes de ilusão, malha-fina a lhes enredar. Debatem-se os peixes à bordo do barco da morte. Roubaram-lhes o ar.
Se Deus assim fez, se esta é a Sua vontade, eu sou um herege. Um herege por discordar da Sua ordem. Um herege por enxergar injustiça na opressão das plantas, na exploração da produção, na manipulação dos rebanhos, nos desenganos do gado, nas iscas.
Por isso, eu quero me alimentar de luz. Que as lavouras sejam libertas. Que os frutos permaneçam em suas árvores. Que os rebanhos sejam os seus próprios pastores. Que o gado derrube as cercas. Que os cardumes deixem os anzóis intactos.
Para que o mundo viva em paz, eu vou me alimentar de luz.

(Danilo Kuhn)


segunda-feira, 4 de março de 2013

Insônia


Dormir é deixar de viver, é morrer por vontade própria, é praticamente suicídio, cerrar os olhos, fechar as cortinas, cruzar os braços, abster-se, acovardar-se, entregar-se.
Enquanto a vida segue lá fora, você se vira na cama para dormir a manhã de domingo. Enquanto o mundo gira, você se deixa inerte para sestear a tarde ensolarada. Enquanto a luta continua, você se rende à letargia vespertina. Enquanto as estrelas cadentes dançam e a lua acena, você se esconde debaixo das cobertas.
A insônia é um presente, embala ideias, rabisca planos, traça metas, rascunha a vida. Insones sonham acordados. Insones acordam madrugadas, despertam noites, alumbram breus.
O sono adormece grandes feitos, evita amores, retarda a produção, encerra trabalhos inacabados, posterga realizações, atrasa, interrompe, paralisa. Quem dorme abandona o mundo, deixa-se à própria sorte, à deriva.
Durma apenas o necessário, nunca tanto quanto você gostaria. Abra os olhos para a vida!

(Danilo Kuhn)



terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Me desculpe, tenho andado com tanta pressa...



Me desculpe, tenho andado com tanta pressa... que olhar para o lado significa desvio de percurso. Ontem, cansado do dia, na volta para casa, não cumprimentei meu antigo colega de escola, para não perder segundos, para não gastar um sorriso. Hoje pela manhã, ao sair de casa, não fiz carinho no meu cachorro, que me acenava com o rabo, pois teria de voltar para lavar as mãos. No caminho para o trabalho, não desejei bom dia ao senhor que me olhou, cortês, porque despenderia muita energia em desfazer meu semblante sisudo e meu cenho cerrado. No escritório, não notei a arte pendurada nas paredes. No almoço, não senti a fragrância dos temperos, nem o sabor dos molhos – e chupar uma bala sem mordê-la tornou-se um exercício de paciência tão exigente... comparável a mais plena meditação. Não vi as flores que me tentaram a atenção, com suas cores sedutoras. Sequer percebi o perfume que o amor exalava ao passar por mim incontáveis vezes, em vão. Não olhei para o céu estrelado para não diminuir a velocidade do carro. Não me refresquei na chuva para não me molhar. Não olhei para trás porque não havia nada de importante lá...
Quem vive com muita pressa acaba deixando-se para trás.

(Danilo Kuhn)



terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Mistérios


O que há além da neblina que nos impede de enxergar mais de um metro de água mansa e serena ao redor do barco?
Que segredos se escondem detrás das máscaras que as pessoas usam cotidianamente?
O que nos aguarda dentro da escuridão da mata fechada, ruidosa e morna?
Que respostas se ocultam nas entrelinhas do que nos dizem a todo instante?
O que guarda o silêncio da casa vazia?
Que disfarces maquiam a verdadeira face do mundo?
O que nos reserva cada caminho da estrada que se bifurca?
Que sombras nos apagam o lume do olhar?
O que nos escapa por entre os dedos?
Que verniz é capaz de nos cegar e enganar?
O que luz acima das nuvens?
Que véus encobrem o derradeiro sentido da vida?
O que nos ensinam nossos desenganos?
Que magia jaz no amor?
O que habita o olhar que cativa, impenetrável?
Certos mistérios não foram feitos para serem desvendados, mas para que esta busca nos sirva de combustível para viver...

(Danilo Kuhn)


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Uma manhã na praia

O som das ondas tem uma constância imperfeita em comparação com o tique-taque do relógio, talvez por isso o tempo lá é mais maleável, mais fluído. No escritório, os segundos são implacáveis como a rotina. Na praia, o tempo se dilata, se alonga na costa, se apazigua na enseada.
O movimento das ondas é assimétrico, mas perfeito. Nenhuma outra coisa é capaz de mover-se em bagunça tão bela e ordenada. Nas ruas, o movimento em mão única revela-se, por sua vez, feio e caótico. O homem se perde pelos caminhos que ele mesmo construiu, na desordem que ele mesmo ordenou. As ondas, alheias, sabem de cor seu caminho e sempre chegam à margem, belamente.
O brilho do sol também é impreciso e maravilhoso em seu pontilhar luzidio no lombo das ondas. Nem a joia mais cara saberia ser bela com a falta do cálculo, com a mão do acaso, com o sopro do improviso.
A vida é isto. Uma praia. Inconstante, imperfeita, assimétrica, imprecisa e imprevisível, porém, bela. Se não fosse o bicho-homem...
(Danilo Kuhn)

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Crônica ácida


Não me venha com utopias. Sonhar com dias melhores? Um país melhor? Acreditar na política? A política é a arte de enganar o povo, muda apenas o discurso. Esquerda ou direita, sempre errada. E se você estivesse lá, faria igual... Todos nós somos corruptos! Que atire a primeira pedra quem nunca se corrompeu,
Não me venha com esperança. A humanidade é desumana mesmo, não há sociedade fraterna; irmãos não, apenas sócios. A maioria, minoritários, com pouca ou sem participação nos lucros. Não espere ajuda, quem espera sempre... fica parado! Não sai do lugar e não se ajuda – e ninguém mais irá lhe ajudar, assim como você não ajuda seu próximo... Todos nós somos egoístas! Que atire a primeira pedra quem nunca fingiu não ver a necessidade de outrem.
Não me venha com elogios. Ninguém admira ninguém, apenas compete. Após um elogio vem a segunda intenção... Inveja e suas armadilhas! Você reclama da inveja alheia, mas é invejoso também... Todos nós somos falsos! Que atire a primeira pedra quem nunca dissimulou.
Não me venha com desculpas. Desculpas nunca são sinceras, se fossem não precisariam existir. Bastava não ter culpa. Todos nós somos culpados! Que atire a primeira pedra quem nunca pediu desculpas apenas para se poupar.

Não me venha com ilusão. O amor é uma mentira maquiada, e tem perna curta. Todo “eu te amo” tem prazo de validade. É produto perecível ou já vencido. Se você ainda não traiu ninguém, está traindo a si mesmo... Todos nós somos sacanas! Que atire a primeira pedra quem nunca traiu, ao menos em pensamento.
(...) Se você não concorda, faça diferente! Seja o exemplo da mudança que você quer!

(Danilo Kuhn)

domingo, 27 de janeiro de 2013

Pense positivo!


Ainda que nem mesmo você acredite que vá dar certo, pense positivo. Acreditar é o primeiro passo para o merecimento.
Ainda que o universo conspire contra seu sonho, pense positivo. Apenas você pode mudar seu próprio destino.
Ainda que você não consiga, pense positivo. Somente assim você irá perseverar. Se você desistir, aí mesmo é que não vai conseguir.
Ainda que todos ao seu redor lhe desacreditem, pense positivo. Se você não confiar em você, ninguém mais vai confiar.
Ainda que tudo lhe leve a crer que as dificuldades serão maiores do que você mesmo, pense positivo. São as próprias dificuldades que encontramos que nos fazem crescer para superá-las.
Não há impossível. Não há jamais. Derrotistas serão derrotados. Pessimistas terão o que querem. Acomodados não sairão do lugar. Pensamentos negativos atraem coisas negativas. Neste caso, os similares se atraem, e não os opostos. Somente o pensamento positivo traz coisas positivas.
Então, se você realmente quer, pense positivo! E tudo o que vier virá para o seu bem.

(Danilo Kuhn)




segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Dez motivos para leres esta crônica


Ao leres esta crônica, a poesia em forma de véus de nuvens esparsos ao vento acenará lá do alto que o céu é o limite para teus sonhos, basta deixar-se elevar e expandir. Para vislumbrar o horizonte é necessário abrir as cortinas...
A música que emana das palavras soará aos teus ouvidos como a beleza que cativa o coração e liberta a alma das mazelas do superficial. Para cantar a vida é preciso ouvir as entrelinhas...
O encanto inerente à arte invadirá as horas moribundas de trabalho e cansaço para revitalizar energias anestesiadas e o já opaco brilho no olhar. Para ver o mundo sem vendas há de se olhar para dentro de si mesmo...
O próprio tempo dar-te-á uma trégua e deixar-te-á um pouco a sós contigo mesmo, ante o espelho da autorreflexão, onde mesmo um segundo vale uma eternidade. Compreender aos outros pressupõe compreender-se antes...
Este texto até então mudo, afônico, ganhará voz e diante os teus olhos vai falar sobre si e sobre ti, num diálogo transcendente que apenas quem lê conhece. O texto não pertence ao autor, é de cada um dos leitores...
Teu coração enobrecer-se-á ao emprestares atenção às minhas palavras, e as mesmas terão um motivo para terem sido escritas: pertencerem a ti. Ofertar-te-ão seu breve sopro de vida, sutil impulso rumo a teus anseios no sussurro de uma frase que se necessita ouvir...
Meu coração baterá em paz ao saber-te leitor. Perdido na biblioteca do esquecimento o texto não lido, o livro jamais aberto... Um escritor escreve para si mesmo, mas ele mesmo é seus leitores...
Se o alimento do corpo é o que se come e se bebe e se respira, o da alma é o que se lê e se ouve e se vê e se sente. A poesia da arte e da vida é o pão do espírito. Não há corpo de pé se a alma convalesce...
Por que não ler palavras inspiradas e pensadas e escritas para ti? Por vezes damos atenção a quem não retribui e não percebemos quem atenta em nós. Olhar para o lado é a chave para enxergar o que merece ou não estar lá dentro do coração...
Por fim, vou contar-te um segredo. Nada existe sem o outro. Nem som sem silêncio, nem luz sem sombra, nem dia sem noite, nem eu sem você, nem texto sem leitor. Portanto, para que eu exista, por favor, lê esta crônica...

(Danilo Kuhn)




segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Tenho andado encantado com o céu


No quadro negro do céu noturno um giz de lume pontilha estrelas que valseiam lentamente na noite lá do campo, onde as luzes da cidade não ofuscam seu encanto celestial. A lua é o sol da noite que banha as coxilhas de prata e estanho onde as sombras das folhas das árvores dançam ao canto do vento e o breu dos matos é golpeado por adagas de luz. Nuvens vistoriam as águas e bebem dos açudes adormecidos, mirando-se vaidosas nos espelhos d’água...
Por sua beleza e mistério, tão lindo quadro em movimento desperta ciúmes em brasa e então o astro-rei entra em cena a cobrar o papel principal. Rompe a barra do dia a ferro e fogo, envergonhando as sombras e tingindo de arrebol o negrume celeste. A aurora traz em si uma aquela luzidia de cores e matizes matinais que com os pincéis da manhã transformam o cenário num relicário multicor. Ergue-se o sol no horizonte regendo a sinfonia do amanhecer, verdejando o campo e reluzindo ouro nas águas...
Mas o rei também tem rivais, e as nuvens que resolveram se unir trouxeram um manto gris ao teto do reino. De mãos dadas, teceram uma colcha nublada e se fizeram misto de dia e noite, contentando sombras e cores. Vistas de cima são um mundo de neve e algodão que soa doce e infantil. As serras por vezes se infiltram, formando ilhas imersas em véus nebulosos...
Tenho andado encantado com o céu, que por muito tempo o trabalho e a rotina me esconderam. Tenho andado encantado com o céu que o tempo inveja, que as horas guardam, que os segundos disfarçam. Tenho andado encantado com o céu e seus astros, seus personagens, seus cenários.
Quem não olha para o céu nega a si mesmo as mais belas telas do Artista Celeste.

(Danilo Kuhn)


domingo, 6 de janeiro de 2013

O amor da minha vida da última semana



O amor da minha vida da última semana eu virei para o lado e ele já não estava. O amor da minha vida da última semana dormiu comigo e eu acordei só. O amor da minha vida da última semana quando eu fiquei sóbrio já não existia. O amor da minha vida da última semana tirou a maquiagem e ao ver sua verdadeira face não o reconheci. O amor da minha vida da última semana eu toquei seu coração e era frio como vil metal.
Coitado do amor, este procurado por legiões de detetives em causa própria, foragido de corações carentes, fugitivo de moças e rapazes na flor da idade e de todas as idades.
Procuram-no nos carnavais, sob a máscara do desejo, o ardil de um beijo, o calor do momento, a estiagem do coração e suas miragens. Procuram-no nos bares, em copos, sorrisos de plástico e olhares fugazes, numa cantada rasa delatora de intenções pouco amorosas, numa conversa fiada em novelos de trabalho bem-sucedido, na oferta pretensiosa de um drinque a dois. Procuram-no, inclusive, em festas onde o som é tão alto que toda e qualquer tentativa de diálogo resume-se a declarações pouco românticas na intimidade e intimidação ao pé do ouvido.
O amor é foragido da ilusão da beleza, que pode vestir corpos ocos de interesse, de inteligência, de sentimento, de caráter. O amor é foragido do verniz do dinheiro, capaz de dar brilho ao mais opaco dos seres, a mais obscura das almas. O amor é também um foragido do tempo, pois tem sua própria temporalidade, possui uma imprevisibilidade intrínseca, indissociável, imensurável.
O amor é fugitivo da razão, que teima em achar explicação para tudo e todos, em julgar, em prever. O amor é fugitivo do ciúme, da posse, do cerceamento, do tolhimento, da intriga, da manipulação, do joguete, da mentira, da traição. O amor é fugitivo dos corações vazios de amor, ciosos de luxúria, de curtição, de prazer somente.
Nestes tempos de relacionamentos descartáveis, onde palavras e gestos e sentimentos são fugidios e escorregadios, a maior vítima é o amor. O amor não foge dos que o buscam, apenas não frequenta os mesmos lugares.
Se eu procurar o amor na ilusão, meu coração será castelo de areia.
        
(Danilo Kuhn)