sábado, 28 de janeiro de 2012

Preserva o elogio!



Como é bom receber um elogio! Não me refiro àquele que se dá por educação, muito menos àquele entregue sob a máscara da inveja. E elogio pela internet é virtual. Me refiro ao elogio puro, ofertado ao elogiado com afeição, com admiração.
Num mundo onde a competição envenena colegas de trabalho, de sala de aula, e se infiltra até entre amigos ou dentro de uma família, elogiar o outro pode ser interpretado pelo próprio elogiador como um sinal de sua fraqueza, como se admirar um colega e expor isto demonstrasse sua inferioridade perante o elogiado.
Na canção Esperando por mim (1996), Renato Russo escreveu: "Cada um de nós imerso em sua própria arrogância esperando por um pouco de afeição". As pessoas do nosso tempo tendem a se fechar dentro de uma bolha - pode ser uma tentativa de se libertar do mundo real, mas acabam por aprisionarem-se em seu próprio mundo. Da mesma canção: "Digam o que disserem, o mal do século é a solidão"...
O elogio aproxima as pessoas. Estoura as bolhas. É um sinal amor. Amor ao próximo. Isto soa estranho? Se eu me pergunto por que, Renato Russo, novamente, me responde, e com sarcasmo: "Afinal, amar ao próximo é tão demodé" (Baader-Meinhof Blues - 1984).
Se amar ao próximo está fora de moda, quem nos ama? Somente nós mesmos? Alguns familiares, amigos? Isto é notadamente triste, enquanto poderíamos demonstrar amor, carinho, admiração a tantas pessoas. E estas à nós.
Ninguém é perfeito. E perfeição requer evolução. E para evoluir, precisamos preservar o elogio, uma pura demonstração de afeto ameaçada de extinção.
E para começar, tu, que leste este texto, te interessaste pelo assunto a ponto de dispor teu tempo, este precioso bem da atualidade, és uma pessoa boa, humilde, sensível e propensa à evolução. E te elogiar não me tornou menos bom, humilde, sensível e propenso à evolução. Muito pelo contrário.
Preserva o elogio! Nós precisamos disto!

(Danilo Kuhn)




terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Nada é por acaso...



O Paulo Afonso, rapaz de classe média-alta, desapercebido do mundo, acabou por molhar seu tênis novo-branco-e-de-marca numa poça d’água. Chateado, seguiu até a parada de ônibus intermunicipal. Estava cumprindo compromissos da faculdade na cidade vizinha pela manhã, e meio-dia retornava para casa.

Chegando em casa, teve de trocar de roupa, visto que lhe agradara um sapatênis mais social que o atual calçado molhado. E o novo visual rendeu... A Ana Flávia, moça rica, pôs-lhe os olhos de pronto; sua atenção fora chamada pelo rapaz bonito e bem apresentado.

O tempo passa e com ele a vida segue adiante, um filme onde se pode ver o novo casal, unido pelo destino, pela fatídica poça d’água, enlaçar namoro.

No entanto, a moça rica era também faminta, tinha fome de sucesso, sucesso a qualquer custo. Modelo profissional, via sua vitória num certo concurso de beleza como algo essencial, vital. Tanto que subornou, conchavou, alinhavou, trapaceou, logrou, e conseguiu a almejada vitória. O que a Ana Flávia não previa era que seu namorado, pudico, desaprovaria seu comportamento, pois muitas vezes as armações da jovem saltavam aos olhos.

Retrocedendo o filme, voltando ao ponto inicial desta pequena história, encontramos novamente a fatídica poça, a mesma que molhou o tênis do Paulo Afonso e uniu-lhe à Ana Flávia... Sobre a poça luzia o sol, queimava no céu anil. A poça bem que tentou resistir aos encantos solares, mas acabou por entregar-se ao seu calor e evaporou. Fez-se nuvem branca a beijar o sol no céu. E a nuvem branca, após passear de carona com os ventos, derreteu-se e tornou-se chuva a refrescar a terra.

Enquanto o Paulo Afonso se arrumava para ir ao centro, após ter chegado da viagem, outra menina, a Cláudia, se aprontava e pretendia ir ao mesmo lugar, se cruzariam na mesma rua onde a Ana Flávia poria os olhos no rapaz. O problema foi que, no canto da cidade onde morava a Cláudia, moça de origem bem mais modesta que a modelo, choveu. A água da mesma poça que molhou o tênis novo-branco-e-de-marca do Paulo Afonso choveu sobre a Cláudia. Pobre moça. Esmaeceu. Desistiu de ir ao centro. Não cruzou com o Paulo Afonso. Sem querer, deixou o caminho livre para a rival que nem conhecera. Não conhecera sequer o seu amor, o Paulo Afonso.

Muito linda, a Cláudia, meio à contragosto, também concorreu no mesmo concurso que a Ana Flávia “venceu”. Muito mais linda era a Cláudia. Seus olhos reluziam a delicadeza das nuvens, o lume do sol e o frescor do vento. Humilde de origem, mas muito mais de espírito – uma das mais nobres virtudes –, a Cláudia não venceu o concurso, mas ganhou o coração do Paulo Afonso.

Seria mais fácil se o destino não aprontasse tanto, e deixasse o Paulo Afonso conhecer a Cláudia naquele dia fatídico em que uma poça d’água atrapalhou o amor por duas vezes? Mais fácil sim, mas não tão perfeito. A Ana Flávia não descobriria que os benefícios da desonestidade cobram um preço alto, o Paulo Afonso não contemplaria a beleza da simplicidade, e a Cláudia não teria certeza de que os seus valores valem a pena serem seguidos. Afinal, nada é por acaso...



(Danilo Kuhn)