segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O amor é a lua e o sol, a poesia e a canção



Ele apertou o passo, decidido, sem olhar pra trás; muita coisa ele deixava às costas. Coisas ruins, coisas boas, mas que não mais o deixavam seguir adiante. Caminhando, caminhando, até além do horizonte, pode ver o infinito de si mesmo, em solidão. Muita coisa se vê apenas com o devido afastamento, principalmente quando se tratam de coisas pessoais, íntimas, do âmago. A solidão é boa companheira, quando se precisa estar só. A solidão é boa conselheira, quando se precisa ouvir a si mesmo.
Portanto, não se encontrava sozinho, mesmo estando só: pensamentos lhe faziam companhia. Sua vida mais recente se projetava, se estendia a desdobramentos não ocorridos, mas que poderiam mudar tudo: futuros possíveis de um passado solidificado. O passado é pedra entalhada que não se pode reesculpir. É o mármore do tempo. Somente o pensamento volátil é quem o pode remoldar, a esmo; logo evapora.
No alto da montanha, num papel ele escreveu: - O amor é a lua e o sol, a poesia e a canção.
É uma busca eterna, os caminhos de si; cada passo deixa marcas na estrada... Essas pegadas, nem mesmo o tempo pode apagar. Mas, como se costuma dizer, o caminho se aprende caminhando. É justamente o mistério de cada curva, de cada bifurcação, de cada horizonte distante, que torna interessante, excitante a caminhada.
Na vida não há caminhos prontos ou uma só estrada certa; o caminho é descobrir. Descobrir o caminho é uma viagem de autoconhecimento: descobrindo o seu caminho, se descobre a si.
São caminhos tortuosos os do amor. A visão turva a cada curva. O coração é um motor e um motorista cego que, por não ver a estrada, não entende o momento de acelerar, frear, reduzir... Acidentes acontecem. Mas sem o amor, o combustível desse carro, não se chega a lugar algum.
O amor é algo que nos completa e nos aflige, indissociavelmente; lá no alto da montanha, num papel ele anotou: - O amor é a lua e o sol, a poesia e a canção. 

(Danilo Kuhn)


terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Crônica afônica I


Desta vez, concebi minha crônica sem final; uma crônica afônica, cansada de falar, já sem voz; calada perante os olhos desviantes; atônita frente ao espelho.
Minha crônica consente sua inexistência, assume o anonimato, faz-se desistir. Suas letras brancas sobre o fundo branco, página virada antes mesmo de ser lida.
Acometida por doença crônica, minha crônica definha sem ter nascido.
Àqueles que não a leram, resume-se a nada. Àqueles que a leram, não passa de ilusão.
Minha crônica-miragem morre de sede no oásis. Minha crônica-sonho desperta em amnésia.
Seu discurso mudo não mudou o mundo. Suas linhas tortas são ilegíveis. Seu verso não conversa. Seu verbo não tem verba. Seu corpo é inócuo, continente sem conteúdo. Sua música: um minuto de silêncio.
Ela não diz nada porque já disse tudo.

(Danilo Kuhn)



quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

À sombra da vaidade



Nada do que faço faz sentido oposto a mim, é crime ou contravenção eu me contrariar. Solidariedade? Sou solidário a mim mesmo. Se eu preciso de mim, lá estou, prontamente, para estender-me a mão.
Mas... É claro que meus planos também incluem outras pessoas ao meu redor: eu sou o centro! Hahaha! Tudo gira em torno de mim! Meus desejos, minhas vontades, minhas fantasias... E ninguém me tira satisfação, não! Não paro enquanto não estiver satisfeito.
A minha imagem no espelho, pálida, olhos vermelhos, rosto molhado, são armadilhas para me enganar... Eu sei que sou feliz de fato, sou egoísta e assim me basto, não há motivos nem ninguém para chorar. Pensa bem! Eu me preocupo apenas comigo mesmo, me responsabilizo apenas pelos meus próprios atos e estes, interferem apenas na minha vida. Não tenho fardos! Sou leve, livre, solto.
Se às vezes me apanho em solidão é por vaidade, pois companhias eu tenho a mim mesmo. Converso comigo e nunca há discussão, briga, desentendimento. Concordo comigo em gênero, número e grau. Nunca vi tanta sintonia! Também pudera, eu conheço a mim como ninguém, e ninguém conhece tão bem a mim quanto eu.
Soberba, isto sim eu não suporto, é virtude que é só minha. Não admito ninguém além de mim e de eu intervir em meus assuntos. Ninguém além de mim e de eu me corrige, me critica, ou até mesmo me elogia ou me conforta.
Quanto ao amor? É só ilusão! Desiste. Ninguém te ama, te amou ou vai te amar além de tu mesmo. Eu me amo! Não posso viver sem mim. Eu me amo, eu me basto, eu me entendo. E acima de tudo, eu me governo, sou meu Estado, minha lei, minha ordem, meu amor, minha religião, minha vida. Minha vida, não divido com ninguém, não! Não adianta vir com essa voz gentil, esse sorriso sincero, esse olhar cristalino, essas palavras luzidias, essas mãos, essa boca... Na minha vida, não entra ninguém. Entendeu? Ninguém! Eu não preciso de ninguém... Eu preciso apenas de mim... Eu me amo, eu me basto, eu me entendo...
Além do mais, eu vivo na santa paz do meu silêncio, da minha solidão, de mim mesmo e ninguém mais.
Nada me incomoda, nada me estressa, nada me conflita, nada me tira do meu centro, nada me desassossega, nada me desconforta... Estou à sombra da minha vaidade.

(Danilo Kuhn)