Há
noites em que a conjuntura do universo, a disposição dos astros e a influência
lunar nos tornam mais suscetíveis. Numa dessas noites, Jacó sonhou. Sonhou e
pelo sonho deixou-se transportar.
O
sol matinal do inverno esquentava os campos, brandamente, e no carro com sua
família Jacó teve uma ideia e dela riu-se. Seus familiares riram-se também, mas
não se riam por deboche, Mas é mesmo, disse a madrasta, Tu já pensou, indagou
animada a namorada, Tu te elege, palavra, afirmou exclamante o pai. A ideia precursora
das risadas e dos comentários era a possível candidatura de Jacó a vereador na
eleição do ano seguinte. Jacó é conhecido na cidade, um artista, rapaz educado
e bem-apessoado e que, além disso, é muito estudioso, sente-se capaz de estudar
o que for preciso para tornar-se um bom-político.
Embora
sua ideia tenha lhe parecido primeiramente um tanto despropositada, ele aos
poucos começou a interessar-se pela mesma. Viu nela a possibilidade de
aperfeiçoar-se como ser humano, de poder ajudar as pessoas e a organizar e
qualificar sua cidade. Buscou livros sobre política em geral, manuais sobre as
atribuições de um vereador e de um bom-político, leis sobre a vereança,
estratégias de campanha, guias de administração pública, mas também livros com
maior amplitude intelectual, como os de filosofia, de retórica, de teoria do
discurso, ciências políticas e sociais, e poesia. Para Jacó, um bom-político
deve ser um grande homem, uma pessoa preparada intelectualmente para pensar,
levar a cabo e administrar grandes ideias.
Assim,
durante horas, dias, semanas, meses, Jacó concentrou seu pouco tempo livre para
dedicar-se ao estudo e ao planejamento de sua candidatura. Elaborou discursos,
efusivos, construiu argumentações para debates, sempre eloquentes, estruturou
minuciosamente suas propostas. Por muitas vezes discordou de seu material de
estudo, pois havia sugestões não muito éticas nos mesmos. Noutras tantas,
alimentou seu sonho de tornar-se um bom-político e um grande homem,
inspirando-se principalmente na filosofia e na arte. Enquanto artista, e, portanto,
sonhador, imaginou ações e programas sociais capazes de aprofundar as pessoas,
de torná-las mais sensíveis e críticas a partir da Boa-Arte. Vislumbrou organizar
orquestra, coral, corpo de teatro e de dança municipais, todos estes com
enfoque social e, é bom que se diga, com a devida preocupação com o seu
financiamento: programas de incentivo à cultura e estratégias de captação de
recursos apontados na ponta do lápis. Ademais, trazia na ponta da língua as
várias frentes de campanha que criara não só para a cidade, mas também para o
interior.
Porém,
nem tudo são planejamento e estudo e boa-vontade, é preciso agir. Jacó, então,
entorpecido pela sua empolgação, tratou de filiar-se a um partido político, o da
situação na prefeitura da cidade, mas o fez sem a devida reflexão. Ele conhecia
o prefeito, conhecia muitas pessoas daquele partido, embora nunca houvesse
militado para este. Tratava-se de um partido grande, da situação há um bom
tempo, organizado em seus interesses gerais e individuais, muitas pessoas
envolvidas com a causa partidária, muitos militantes.
Eis
o problema, caro leitor. Jacó sempre foi muito crítico, sempre fez questão de
pensar com sua própria cabeça, coisa de artista. Num partido político, as
pessoas costumam fechar os olhos aos erros de seus correligionários – embora
percebam este contracenso –, defender as decisões partidárias com afinco –
mesmo que isto contrarie seus ideais –, e favorecer colegas de partido com
cargos ou candidaturas de acordo com sua contribuição e doação, muitas vezes
estritamente em campanhas ou em eventos públicos e outras práticas eleitoreiras.
Nem
é preciso terminar de contar a estória para concluirmos seu final. Jacó
deparou-se com uma realidade não imaginada por ele. Pensou, desde a concepção
da ideia, que sua possível candidatura seria avaliada e abalizada de acordo com
os termos do merecimento. No entanto, pode observar e experimentar na pele que,
numa organização partidária, vários outros critérios, menos éticos, são
utilizados para as prévias eleitorais. Sequer teve oportunidade de apresentar
suas ideias. Foi orientado a primeiro “fazer seu nome” no partido.
Não
vejo, obviamente, apenas demérito num partido político. Partir a política é
necessário, partindo do princípio que existem ideias, ideais, ideologias
totalmente incompatíveis. O problema é sepultar a ética e a opinião própria em
nome de uma lógica partidária contra sua própria ideologia ou ideais ou ideias.
É preciso ter estômago para tal.
No
caso de Jacó, seu partido é um coração partido. Um artista, com profundidade,
não é raso o suficiente para a política.
(Danilo Kuhn)