terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Me desculpe, tenho andado com tanta pressa...



Me desculpe, tenho andado com tanta pressa... que olhar para o lado significa desvio de percurso. Ontem, cansado do dia, na volta para casa, não cumprimentei meu antigo colega de escola, para não perder segundos, para não gastar um sorriso. Hoje pela manhã, ao sair de casa, não fiz carinho no meu cachorro, que me acenava com o rabo, pois teria de voltar para lavar as mãos. No caminho para o trabalho, não desejei bom dia ao senhor que me olhou, cortês, porque despenderia muita energia em desfazer meu semblante sisudo e meu cenho cerrado. No escritório, não notei a arte pendurada nas paredes. No almoço, não senti a fragrância dos temperos, nem o sabor dos molhos – e chupar uma bala sem mordê-la tornou-se um exercício de paciência tão exigente... comparável a mais plena meditação. Não vi as flores que me tentaram a atenção, com suas cores sedutoras. Sequer percebi o perfume que o amor exalava ao passar por mim incontáveis vezes, em vão. Não olhei para o céu estrelado para não diminuir a velocidade do carro. Não me refresquei na chuva para não me molhar. Não olhei para trás porque não havia nada de importante lá...
Quem vive com muita pressa acaba deixando-se para trás.

(Danilo Kuhn)



terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Mistérios


O que há além da neblina que nos impede de enxergar mais de um metro de água mansa e serena ao redor do barco?
Que segredos se escondem detrás das máscaras que as pessoas usam cotidianamente?
O que nos aguarda dentro da escuridão da mata fechada, ruidosa e morna?
Que respostas se ocultam nas entrelinhas do que nos dizem a todo instante?
O que guarda o silêncio da casa vazia?
Que disfarces maquiam a verdadeira face do mundo?
O que nos reserva cada caminho da estrada que se bifurca?
Que sombras nos apagam o lume do olhar?
O que nos escapa por entre os dedos?
Que verniz é capaz de nos cegar e enganar?
O que luz acima das nuvens?
Que véus encobrem o derradeiro sentido da vida?
O que nos ensinam nossos desenganos?
Que magia jaz no amor?
O que habita o olhar que cativa, impenetrável?
Certos mistérios não foram feitos para serem desvendados, mas para que esta busca nos sirva de combustível para viver...

(Danilo Kuhn)


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Uma manhã na praia

O som das ondas tem uma constância imperfeita em comparação com o tique-taque do relógio, talvez por isso o tempo lá é mais maleável, mais fluído. No escritório, os segundos são implacáveis como a rotina. Na praia, o tempo se dilata, se alonga na costa, se apazigua na enseada.
O movimento das ondas é assimétrico, mas perfeito. Nenhuma outra coisa é capaz de mover-se em bagunça tão bela e ordenada. Nas ruas, o movimento em mão única revela-se, por sua vez, feio e caótico. O homem se perde pelos caminhos que ele mesmo construiu, na desordem que ele mesmo ordenou. As ondas, alheias, sabem de cor seu caminho e sempre chegam à margem, belamente.
O brilho do sol também é impreciso e maravilhoso em seu pontilhar luzidio no lombo das ondas. Nem a joia mais cara saberia ser bela com a falta do cálculo, com a mão do acaso, com o sopro do improviso.
A vida é isto. Uma praia. Inconstante, imperfeita, assimétrica, imprecisa e imprevisível, porém, bela. Se não fosse o bicho-homem...
(Danilo Kuhn)

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Crônica ácida


Não me venha com utopias. Sonhar com dias melhores? Um país melhor? Acreditar na política? A política é a arte de enganar o povo, muda apenas o discurso. Esquerda ou direita, sempre errada. E se você estivesse lá, faria igual... Todos nós somos corruptos! Que atire a primeira pedra quem nunca se corrompeu,
Não me venha com esperança. A humanidade é desumana mesmo, não há sociedade fraterna; irmãos não, apenas sócios. A maioria, minoritários, com pouca ou sem participação nos lucros. Não espere ajuda, quem espera sempre... fica parado! Não sai do lugar e não se ajuda – e ninguém mais irá lhe ajudar, assim como você não ajuda seu próximo... Todos nós somos egoístas! Que atire a primeira pedra quem nunca fingiu não ver a necessidade de outrem.
Não me venha com elogios. Ninguém admira ninguém, apenas compete. Após um elogio vem a segunda intenção... Inveja e suas armadilhas! Você reclama da inveja alheia, mas é invejoso também... Todos nós somos falsos! Que atire a primeira pedra quem nunca dissimulou.
Não me venha com desculpas. Desculpas nunca são sinceras, se fossem não precisariam existir. Bastava não ter culpa. Todos nós somos culpados! Que atire a primeira pedra quem nunca pediu desculpas apenas para se poupar.

Não me venha com ilusão. O amor é uma mentira maquiada, e tem perna curta. Todo “eu te amo” tem prazo de validade. É produto perecível ou já vencido. Se você ainda não traiu ninguém, está traindo a si mesmo... Todos nós somos sacanas! Que atire a primeira pedra quem nunca traiu, ao menos em pensamento.
(...) Se você não concorda, faça diferente! Seja o exemplo da mudança que você quer!

(Danilo Kuhn)