Um trovão ressoa longe, com sua voz
grave, num prenúncio de aguaceiro. Parece que o campo inteiro se aquieta, à
espera. A brisa que soprava leve paralisa e o ar se amorna. As folhas das
árvores param de dançar. As águas dos riachos correm mais lentas, caminham. O
gado pasta calmamente, disfarçando que sabe do tempo. Em verdade, o campo sabe
que não há como escapar e apenas se prepara. E nem quer escapar: o campo sempre
está com sede, bebe da chuva.
Um raio se desprende do meio da tempestade,
riscando o céu à ponta-de-espora e tinindo as cordas do alambrado ao pontear
seu violão. O horizonte se emburra e a tarde mormacenta vai ganhando noite. O
temporal chega à revelia de palma-benta ou cruz-de-sal. A oração do campo à
espera da chuva é mais forte que as das casas onde se cobre o espelho da sala.
A tormenta atormenta as casas, não o campo. A brisa, de paralisada, ganha asas
e se torna vento forte. O ar amornado se agita e se refresca aos primeiros
pingos. As folhas vibram de alegria e se banham, mandam a poeira embora. As
águas dos riachos tomam corpo e volúpia. Os animais se abrigam do perigo, mas
contemplam a bênção. O campo é uma prece, pela dádiva da água da chuva
agradece. A aparente violência da natureza é entendida como pressa pelo campo.
A água da chuva encharca a terra, alaga o campo, arrebenta taipas, transborda
rios e abre outros nas coxilhas, estoura bueiros, leva por diante estradas,
pontes, plantações, mas a água da chuva mata a sede do campo e da mata, verdeja
pasto e folha, rega flor e erva, afresca fruto e broto, sacia fauna e flora,
abastece açude e rio e entranhas da terra de onde a água rebrota nas cacimbas e
verte nas vertentes. A água irriga sementes, germina a terra, louva a lavoura,
garante o sustento, sustenta casa e galpão.
Quando chove lá fora, o campo se banha
nos banhados, viaja pelos rios, bebe das sangas e açudes, goteja nas folhas das
árvores, floresce nos jardins, amadurece nos frutos, se refresca na brisa,
brinca de esconde-esconde pelas vertentes debaixo da terra... O campo lava a
alma, quando chove lá fora.
(Danilo Kuhn)
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