Quando alguém passa por mim na rua e
me pergunta as horas, e eu educadamente e sorridente respondo, e este alguém
apenas segue seu caminho sombrio por entre os seus escuros, sem agradecer com
palavra ou gesto ou expressão, eu fecho os olhos para ver a luz.
Quando alguém que me conhece me vira a
cara na rua, em notória embriaguez de desdém, após alguns segundos sem chão eu
fecho os olhos para retomar o caminho.
Quando alguém se diz meu amigo e me
apunhala pelas costas com suas mentiras e palavras envenenadas, com seu jogo
moribundo de sorrisos de plástico e abraços ocos, eu fecho os olhos para
cicatrizar as feridas.
Quando alguém me serve o cálice do
ódio, desejoso de compartilhá-lo, de afetar-me com seu vício, de embriagar-me
de cólera para cair em sua armadilha, eu fecho os olhos para manter a
sobriedade.
Quando a inveja alheia bate à porta,
intentando adentrar a casa sem pedir licença e levar consigo tudo de bom que há
lá dentro, a roubar-me meu trabalho e meus sonhos, eu fecho os olhos para não
abrir a porta.
Quando o ciúme ameaça me consumir por
dentro, acenando possibilidades improváveis, remoendo o passado
acrescentando-lhe pitadas de suposições nocivas e de imagens daninhas, eu fecho
os olhos para olhar o presente.
Fecho os olhos porque já os abri o
suficiente para enxergar o que eu não queria ver, o que eu preferiria não
saber. Fecho os olhos porque já perdi a ilusão de um mundo feito apenas de
amor, amizade, companheirismo, cooperação, união, educação e outros sentimentos
e atitudes boas. Porém, fecho os olhos também para manter o brilho no olhar, o
pouco de encantamento que ainda me resta.
Como é bom encontrar uma pessoa
extremamente agradável, ou educadíssima, ou muito culta, ou que esbanje
simpatia sem ter segundas ou terceiras intenções. Mas a pequenez humana é
maioria. E, como vivemos em uma democracia...
(Danilo Kuhn)
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