Ele pensava estar caminhando sobre uma bucólica e inocente e
florida vereda verdejante à luz do sol, embora sem enxergar onde pisava haja
vista a noite na floresta. Pensava já ter percorrido aquele caminho vezes
suficientes para garantir segurança a seus passos. Ledo engano. Quando deu por
si, encontrava-se em terreno pantanoso.
O fato de não se enxergar onde se pisa não
necessariamente pressupõe medo quando se conhece o caminho; mas não se saber,
de fato, onde se pisa, é angustiante. E pode ser ainda pior: identificar onde
se pisa e classificá-lo como perigoso.
Agora sim, a noite parecia mostrar-lhe a
verdadeira face sombria e desesperadora. Os costumeiros sons noturnos da
floresta ao alcance da sua audição ganharam tons dramáticos quando ele começou
a ouvir seus pés atolando-se no lodo sob a água fria e animais mergulhando-se e
debatendo-se em todas as direções; animais voadores batiam e rebatiam suas asas
entre revoadas e sobrevoadas ameaçadoras, soltando suas vozes ferozes e agudas
e estridentes que cortavam feito faca e ecoavam na imensidão oculta; pegajosos
mantos de teias de aranha se lhe grudavam na face, enquanto suas donas lhe
desciam o pescoço, o qual ele debatia com as mãos rápida e temerosamente;
gritos graves e assustadores de animais, à sua impressão, de grande porte, o
aterrorizavam; o gélido vento que começara a sobrar doava o pano de fundo
sonoro precisamente perfeito para aquela sinfonia do horror.
De repente, ele já não mais conseguia
elevar os passos, e sentiu seus pés afundando-se cada vez mais ao pântano
malcheiroso e sedento. O desespero agora se transformara em espera, espera pela
morte, espera pela hora maldita de finalmente ser engolido por aquele umbral de
sofrimento.
No entanto, como um protesto final ante a
penumbra do seu destino, a pobre alma ergueu os braços, na esperança redentora
de alguma intervenção divina, ao passo que gritou: “Me perdoa, meu Pai”! O
infeliz vivente, à beira da morte, bradou ao universo seu arrependimento, como
se bastasse para apagar todos seus erros, todo o sofrimento que provocou, todas
as verdades que ocultou, todas as vezes que fraquejou.
Mas nem só de erros, sofrimentos, mentiras
e fracassos somos feitos, e Ele sabe disto. Nisto foi que o agonizante bate com
um dos braços em um galho seco de uma árvore qualquer, e o agarra firme,
primeiro com uma das mãos, depois com as duas. Pensou em erguer-se e tentar
seguir caminho, mas preferiu esperar o dia amanhecer... Assim, no instante em
que o dia clareou, mandando para a toca e para as profundezas todos os seres
horrendos daquele purgatório, ele finalmente ergueu-se e pode vislumbrar um
caminho seguro de volta para a casa. Antes de segui-lo, ele olhou para cima, a
fim de agradecer a Ele, e então viu que, naquele exato galho seco e somente
neste e em mais nenhum de todo o pântano, havia uma bela e solitária flor a lhe
dar bom-dia. E ele regressou a terra-firme com a aprendizagem que somente os
terrenos pantanosos d’Ele são capazes de ensinar.
(Danilo Kuhn)
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