terça-feira, 19 de junho de 2012

Terreno pantanoso



Ele pensava estar caminhando sobre uma bucólica e inocente e florida vereda verdejante à luz do sol, embora sem enxergar onde pisava haja vista a noite na floresta. Pensava já ter percorrido aquele caminho vezes suficientes para garantir segurança a seus passos. Ledo engano. Quando deu por si, encontrava-se em terreno pantanoso.
O fato de não se enxergar onde se pisa não necessariamente pressupõe medo quando se conhece o caminho; mas não se saber, de fato, onde se pisa, é angustiante. E pode ser ainda pior: identificar onde se pisa e classificá-lo como perigoso.
Agora sim, a noite parecia mostrar-lhe a verdadeira face sombria e desesperadora. Os costumeiros sons noturnos da floresta ao alcance da sua audição ganharam tons dramáticos quando ele começou a ouvir seus pés atolando-se no lodo sob a água fria e animais mergulhando-se e debatendo-se em todas as direções; animais voadores batiam e rebatiam suas asas entre revoadas e sobrevoadas ameaçadoras, soltando suas vozes ferozes e agudas e estridentes que cortavam feito faca e ecoavam na imensidão oculta; pegajosos mantos de teias de aranha se lhe grudavam na face, enquanto suas donas lhe desciam o pescoço, o qual ele debatia com as mãos rápida e temerosamente; gritos graves e assustadores de animais, à sua impressão, de grande porte, o aterrorizavam; o gélido vento que começara a sobrar doava o pano de fundo sonoro precisamente perfeito para aquela sinfonia do horror.
De repente, ele já não mais conseguia elevar os passos, e sentiu seus pés afundando-se cada vez mais ao pântano malcheiroso e sedento. O desespero agora se transformara em espera, espera pela morte, espera pela hora maldita de finalmente ser engolido por aquele umbral de sofrimento.
No entanto, como um protesto final ante a penumbra do seu destino, a pobre alma ergueu os braços, na esperança redentora de alguma intervenção divina, ao passo que gritou: “Me perdoa, meu Pai”! O infeliz vivente, à beira da morte, bradou ao universo seu arrependimento, como se bastasse para apagar todos seus erros, todo o sofrimento que provocou, todas as verdades que ocultou, todas as vezes que fraquejou.
Mas nem só de erros, sofrimentos, mentiras e fracassos somos feitos, e Ele sabe disto. Nisto foi que o agonizante bate com um dos braços em um galho seco de uma árvore qualquer, e o agarra firme, primeiro com uma das mãos, depois com as duas. Pensou em erguer-se e tentar seguir caminho, mas preferiu esperar o dia amanhecer... Assim, no instante em que o dia clareou, mandando para a toca e para as profundezas todos os seres horrendos daquele purgatório, ele finalmente ergueu-se e pode vislumbrar um caminho seguro de volta para a casa. Antes de segui-lo, ele olhou para cima, a fim de agradecer a Ele, e então viu que, naquele exato galho seco e somente neste e em mais nenhum de todo o pântano, havia uma bela e solitária flor a lhe dar bom-dia. E ele regressou a terra-firme com a aprendizagem que somente os terrenos pantanosos d’Ele são capazes de ensinar.

(Danilo Kuhn)



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