sexta-feira, 20 de abril de 2012

Para nossa alegria


Nos galhos secos desta crônica, para nossa alegria, florescerão apenas coisas boas. Não florescerão nosso extrato da conta corrente ‘no vermelho’, nem nosso salário achatado. Tampouco florescerão o financiamento do carro, o rancho do mês, as contas de água e de luz, ou a “fratura” do cartão de crédito. Não florescerão os problemas cotidianos, as preocupações com a filha ou filho ‘aborrescente’, a pressão dos pais por estudo ou trabalho, as dúvidas sobre sexo, ou as perguntas inoportunas dos avós. Não florescerão, também, as dificuldades nos relacionamentos, a falta de tempo para namorar, as discussões de relação, os desentendimentos com os parentes. Não florescerão, ainda, o engarrafamento e a poluição, o atraso para o trabalho, o chefe impertinente, as notícias de acidentes no trânsito, casos de pedofilia, estupros, assaltos, assassinatos, reportagens sensacionalistas. Bem como não florescerão dízimos, lavagem cerebral, vendas e mordaças, algemas e grades. E não florescerão o aquecimento global, a crise financeira, a política e a violência. Não florescerão ervas daninhas. Florescerão apenas flores.
Florescerão amanheceres nas colinas verdes encobertas pelo véu da bruma leve e pôr de sóis róseos e lilases refletidos no dorso branco das nuvens calmas aos quais não damos atenção. Florescerão um teto bordado de infinitas estrelas faceiras e um sopro de brisa fresca que nos acenam e não notamos. Florescerão a poesia da vida que nossos olhos evitam ler, as palavras doces que nossos ouvidos amargurados não sentem o sabor, o calor fraterno dos abraços dos quais fugimos mesmo estando com frio, o perfume de um amor a desabrochar que não alcança nosso olfato.
Enquanto a vida floresce no nosso jardim, tendemos a descuidar das flores. Não às regamos. Não às adubamos. Não percebemos suas cores, seu viço, seu lume, sua música, seu aroma, seu frescor, seu florescer. Não somos bons jardineiros. Podamos as flores e deixamos crescer as ervas daninhas.
Olhemos mais para nosso jardim interior. Nossa vida atribulada pouco nos permite, mas o simples tentar perceber nos enobrece. Se nos determos apenas com o ‘lá fora’, quem vai cuidar das flores?

(Danilo Kuhn)


2 comentários:

  1. Adorei...nada como fazer uma boa reflexão em um final de sexta-feira e poder descobrir que a vida tem muitas coisas belas...(como esquecemos).Vou lá regar minhas belas flores...

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