terça-feira, 10 de abril de 2012

O tempo é o pior ladrão


Existe um lugar no universo onde vive tudo o que deixaste de viver. Lá está, aprisionado, tudo o que o tempo te roubou. Um passeio que não passeaste por conta de uma manhã enclausurada de estudos na primavera, com a paz de canto de pássaros e de brisa fresca e morna com aroma de flores e sol ameno a te esperar; um mergulho que não mergulhaste num açude refrescante à revelia de uma tarde mormacenta a poucos quilômetros da tua selva de pedra; uma palavra de carinho que não falaste, enredado ao teu cotidiano sufocante; um amor que não encontraste, naquela quarta-feira de serão no trabalho até às onze da noite em lugar de um happy hour à convite dos amigos; até uma árvore que não plantaste e sua sombra, seus pássaros e ar puro... Tudo está lá, na casa do tempo, roubado de ti.
O tempo é o pior ladrão. Te oferece pequenas vantagens em troca da tua própria vida, da vida em plenitude. Te rouba o bolinho de chuva, o aroma do vinho, o céu estrelado, os matizes do arrebol, o degustar dos condimentos, segundos de reflexão, minutos de silêncio, horas de sono, dias de alegria, semanas de férias, meses de viagem, anos de vida à dois, amores, filhos, netos, parentes, amigos, animais de estimação...
Sob a guarda do tempo jazem sonhos não realizados, poemas não escritos, rostos jamais vistos, palavras jamais ouvidas ou faladas, sorrisos não sorridos, beijos não beijados, abraços inócuos, ideias não pensadas...
Mas a vida e o mundo requerem trabalho, e o trabalho dignifica o homem. O trabalho, não o dinheiro. A vida e o mundo precisam de alimento, de cuidados, de agasalho, de abrigo, de arte, da luz do conhecimento, do descanso. E o agradecimento da vida e do mundo para com o teu trabalho te dignificam. O dinheiro é apenas a materialização deste agradecimento, para que tu materializes teu agradecimento aos teus prestadores de serviço: uma troca, simplesmente. O problema é a inversão de valores; colocar o dinheiro na frente do trabalho deturpa teu serviço, torna-o maculado. E esta é a principal armadilha do tempo: o “tempo-é-dinheiro”. Tempo não é dinheiro, tempo é vida. Vida tem trabalho, sim, mas também tem outras coisas.
Não apenas ‘gasta’ teu tempo, ‘passa’ ele também. Tem muita diferença entre gastar e passar o tempo. Gastando o tempo com ganância e ambição desmedida, pensando que cada minuto que passa é um minuto perdido, tu não o recuperas mais; o tempo te rouba os momentos mais belos da vida. Passando o tempo num passeio de mãos dadas à beira da praia, ou brincando de criança com teu filho, tu vives em plenitude.
O tempo é o pior ladrão, mas tu podes guardar à sete chaves, no teu coração, a beleza dos momentos preciosos.

(Danilo Kuhn)


4 comentários:

  1. O PRESENTE, COMO JÁ ESTÁ EXPLÍCITO É O QUE TEMOS DE MAIS CARO, LINDO E CONCRETO... É NELE QUE NOSSA VIDA FLORESCE... É NO PRESENTE QUE PODEMOS VIVÊ-LA OU DESPERDIÇÁ-LA ENQUANTO O TEMPO PASSA!
    PARABÉNS QUERIDO POR MAIS UMA VEZ TRANSPOR EM PALAVRAS, COM POESIA E CONSCIÊNCIA, VERDADES PROFUNDAS QUE PRECISAM SER SENTIDAS, ACIMA DE TUDO!
    ABRAÇO,
    SILVANA GIOVANINI

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  2. Belo,talvez as lições nunca sejam aprendidas, mas estão ai, escritas no papel.

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