Foi numa gélida manhã de agosto, um
agosto severo, a geada trincava o pasto e o negro apertava o passo,
sumia na imensidão... E, consigo, os pés descalços, castigados...
Junto às correntes de aço levava, no seu encalço, as chagas da escravidão.
A manhã, na Casa Grande e
resplandecente de austeridade e imponência, despertava espanto e alarde
e os de coração débil e covarde davam início à caçada. Foge o negro,
o animal... Sim! Tratavam-no como tal... – “Nasce pra ser serviçal,
não tem alma, não tem nada”.
Na verdade, mero estratagema! O branco
que impunha algemas, sem ter pudor nem pena, ante o escravo era
inferior. Pois aquele que escraviza e que cativa é que não tem
alma... a precisa! Não vale o chão onde pisa! Não honra ao nome
Senhor...
...E o Senhor da Sesmaria
de crueldade sorria um sorriso canino, pois até o fim do dia
teria sangue nas mãos... – “Se dentro das minhas terras algum negro
desgraçado se desgarra, eu trago de volta é na marra, sob severa
punição”!
E, de fato, era um açoite... Por três
dias e três noites, dê-lhe ferro quente e chicote e intermináveis
torturas... E, mais cedo ou mais tarde, dependendo de sua sorte,
encontrava-se co´a morte a sofrida criatura.
E o negro bem sabia da soberba e
tirania do Senhor da Sesmaria, da monarquia em seu trono de sangue e
suor alheio. Num ato de valentia, que a coragem é mais um homem, deu-se a
própria alforria, naquela manhã tão fria quanto à alma do seu dono.
Escafedeu-se o vassalo e nenhum
branco a pé ou a cavalo jamais conseguiu achá-lo na vastidão
impenetrável da pampa... Dizem que, lá no rincão, os puros de coração,
em manhãs de cerração, inda veem sua estampa... Quanto à velha
Sesmaria, da soberba e tirania, hoje é terra e moradia
pros descendentes de escravos. E à família do Senhor, por semear
tanto horror, não sobrou nenhum valor... Do passado são escravos!
(Danilo Kuhn)
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