segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Escravos do passado


Foi numa gélida manhã de agosto, um agosto severo, a geada trincava o pasto e o negro apertava o passo, sumia na imensidão... E, consigo, os pés descalços, castigados... Junto às correntes de aço levava, no seu encalço, as chagas da escravidão.
A manhã, na Casa Grande e resplandecente de austeridade e imponência, despertava espanto e alarde e os de coração débil e covarde davam início à caçada. Foge o negro, o animal... Sim! Tratavam-no como tal... – “Nasce pra ser serviçal, não tem alma, não tem nada”.
Na verdade, mero estratagema! O branco que impunha algemas, sem ter pudor nem pena, ante o escravo era inferior. Pois aquele que escraviza e que cativa é que não tem alma... a precisa! Não vale o chão onde pisa! Não honra ao nome Senhor...
...E o Senhor da Sesmaria de crueldade sorria um sorriso canino, pois até o fim do dia teria sangue nas mãos... – “Se dentro das minhas terras algum negro desgraçado se desgarra, eu trago de volta é na marra, sob severa punição”!
E, de fato, era um açoite... Por três dias e três noites, dê-lhe ferro quente e chicote e intermináveis torturas... E, mais cedo ou mais tarde, dependendo de sua sorte, encontrava-se co´a morte a sofrida criatura.
E o negro bem sabia da soberba e tirania do Senhor da Sesmaria, da monarquia em seu trono de sangue e suor alheio. Num ato de valentia, que a coragem é mais um homem, deu-se a própria alforria, naquela manhã tão fria quanto à alma do seu dono.
Escafedeu-se o vassalo e nenhum branco a pé ou a cavalo jamais conseguiu achá-lo na vastidão impenetrável da pampa... Dizem que, lá no rincão, os puros de coração, em manhãs de cerração, inda veem sua estampa... Quanto à velha Sesmaria, da soberba e tirania, hoje é terra e moradia pros descendentes de escravos. E à família do Senhor, por semear tanto horror, não sobrou nenhum valor... Do passado são escravos!

(Danilo Kuhn)


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