Sorvo os primeiros raios de sol do
amanhecer enquanto a pampa desperta despacito, como quem mateia solito. O
amargo do mate me traz recuerdos de esbarradas e boléus que o potro xucro do
destino me deu pelos rodeios da vida... E foi cada rodada, de levantar polvadeira...
Na gineteada do amor, tentei de toda
sorte não ir ao chão, mas a cada galope, cada paixão, o tombo da saudade insistiu
em me quedar do lombo... Me aconcheguei com a solidão, que em mim se
aquerenciou, que só a água do mate me aquece o coração...
Na gineteada da vida, por ser redomão,
nunca aceitei cabresto de patrão, e apesar da guaiaca na rapa, mais me valem
hoje honra e orgulho em ordem do que meia-dúzia de cobres... Nunca me faltou
coragem pra peleia, por mais que a parelha fosse feia. Nunca levei desaforo pra
casa, por mais que a adaga da vida me desse pranchaço e talho...
Na gineteada da morte, china maleva que
no horizonte me espera, dou boca ao potro-destino sem sofrenar, solto as rédeas
e me vou de peito aberto pra onde eu deva ir... Já vivi muitas primaveras e sei
que o Patrão Velho lá de cima sabe o meu tempo e minha hora...
Mas ao matear solito não me sinto assim
tão só. Tenho o cusco debaixo do banco, enrodilhado, parceiro de lida e rancho,
que vez em quando abre um dos olhos pra me espiar... Tenho o mate que me
aquenta e me aviva a memória, rememorando histórias minhas que apesar de amargas
vou sorvendo aos poucos... Tenho o rancho que eu mesmo ergui com meu suor e
trabalho e que me abriga nas invernias com pelego e fogo e nos temporais com palma-benta e cruz-de-sal... Tenho a bicharada em volta que vive no seu
mundo, mas me empresta companhia no meu... Mais adiante tenho o galpão onde as
lembranças de fogo-de-chão e cantoria de cordeona e violão ainda povoam as
paredes de madeira empoeirada... Meu gateado me espreita do potreiro e por
certo mateia comigo...
O sol já sorveu toda noite e toda névoa
que cobria as coxilhas, e agora aquenta como a água do mate. É hora de acordar
pra o dia e deixar minhas noites na erva lavada. Ainda tenho lida pela frente.
O meu peito agora quente já sorveu seus amargos e começa a sentir o doce aroma da
manhã de mais uma primavera. É hora de encilhar e de seguir, venta-aberta, pela
pampa já desperta. É hora de sobrar cavalo. Sou gaúcho e não me achico pra esse
tal potro-destino.
(Danilo Kuhn)
Minha Crônica Afônica "Mateando solito" foi publicada hoje, 21 de setembro de 2012, no Jornal TRADIÇÃO REGIONAL, à página 7.
ResponderExcluirMuito obrigado ao Jornal e seus responsáveis, e à Claudia Duarte pela força de sempre.
http://blogdascronicasafonicas.blogspot.com.br/2012/09/mateando-solito.html
"É hora de encilhar e de seguir, venta-aberta, pela pampa já desperta. É hora de sobrar cavalo. Sou gaúcho e não me achico pra esse tal potro-destino".