Tiro os óculos-escuros para ver as cores
reais que dançam do outro lado do para-brisa do carro, os incontáveis tons de
verde e marrom e bege entre pasto e árvores e coxilhas que quanto mais
distantes mais pendem ao azul do céu e mais perto dele chegam, o azul do céu
com suas nuvens brancas que mais parecem pinceladas sfumato de Da Vinci e véus de noiva em dégradé ao vento... A poeira da estrada-de-chão alaranjada empresta
um efeito especial quando se antepõe à paisagem e lhe esmaece, vários sóis
surgem cada um em um açude que se apresenta à visão iluminando ainda mais o dia
e as cores, sinuosos riachos serpenteiam água pura e cristalina a verter do
ventre da terra e sua mata-ciliar também serpenteia o campo a declarar sua presença
e seu caminho...
Lá fora eu não uso relógio, apenas o sol
com seus ponteiros de luz me orientam durante o dia e a lua com sua colcha de
estrelas durante a noite. Se o dia ou a noite está nublada ou chuvosa, a
relação de tempo é outra, bem mais lenta e flutuante... É lá fora que eu me
vingo do tempo que me sufoca me impondo cada vez mais trabalho, ganância e
responsabilidade... É lá fora que meus amigos cães me mostram o valor da
amizade e da lealdade que não há nas relações humanas de forma assim tão
inocente e sincera... É lá fora que um casal solitário de colhereiros
cor-de-rosa-salmão num banhado me ensina sobre cumplicidade e fidelidade... É
lá fora que as tartarugas da taipa do açude têm a tranquilidade de tomar
banho-de-sol e as vacas e bezerros a confiança de se achegar às casas no final
da tarde...
Lá fora, nem a mais venenosa das cobras
tem a peçonha da inveja, nem a mais ardida das ortigas dói tanto quanto o
desprezo, nem o mais fundo açude representa o perigo das esquinas, nem a mata
mais fechada desorienta como o trânsito, nem a noite mais escura amedronta como
a solidão das multidões...
É lá fora que eu me vingo do tempo. Lá,
as horas não me alcançam, a ampulheta não me escorre, o relógio não me governa.
Não sei como Cronos me enganou por
tanto tempo...
(Danilo Kuhn)
Minha Crônica Afônica "É lá fora que eu me vingo do tempo" foi publicada hoje, 14 de setembro de 2012, no Jornal TRADIÇÃO REGIONAL, à página 23.
ResponderExcluirMuito obrigado ao Jornal e seus responsáveis, e à Claudia Duarte pela força de sempre.
http://blogdascronicasafonicas.blogspot.com.br/2012/09/e-la-fora-que-eu-me-vingo-do-tempo.html
"É lá fora que eu me vingo do tempo. Lá, as horas não me alcançam, a ampulheta não me escorre, o relógio não me governa. Não sei como Cronos me enganou por tanto tempo..."