Os
braços que se vão regendo a lavoura empunham agora a enxada em vez da batuta.
Música-da-terra é a sua nova labuta: sementes notadas na partitura. A
clave-de-sol-forte lhe escalda a fronte, e o labor desde os clarins da alvorada
lhe consome as idades. E enquanto a plantação é orquestrada, o passado renasce
no horizonte: foi maestro de voz e de instrumento, compositor de silêncio e de
som, mas sentiu a vida mudar de tom, lhe impondo a si, imigrante, um novo
sustento. Alegre nunca foi sua música, por ânsia de vislumbrar um mundo melhor
– febres-sonoras de amargo sabor em forma de valsas, polcas, chotes ou mazurcas
–. Tampouco agora haveria de ser... Embora sua lavoura gere vida, jamais
calarão as vozes feridas que ecoam em coro do âmago do ser.
Foi
expulso de sua terra natal pelas mãos graves da fome e da guerra, e a cada
golpe de enxada na terra relembra trincheiras de sangue e de sal. Nada é tão
dissonante quanto a guerra, a obra polifônica infernal. Não há luta justa,
livre de mal, quando vidas inocentes encerra...
O
imigrante que provou do mundo os temores e as esperanças, com a sua música
ainda criança já presenteava almas com garatujas-melódicas profundas. Mas mesmo
com tanto e todo o talento, teve de deixar a sinfonia inacabada... Trocou a sua
batuta pela enxada quando o malogro lançou a pauta ao vento... Mas ainda assim
fazia música da terra germinar, pois maestro continuava a ser perante o
universo.
E
foram tantos os imigrantes que ao Brasil desbravaram e ergueram, abriram picada
e fizeram indústria, plantaram sustento e sustentaram Estado. Alemães,
italianos, e outros tantos, órfãos de terra, plenos de lavouro.
Braços
fortes para a enxada. Cenho cerrado para o horizonte. Pulso firme. Sempre
avante.
Imigrantes:
brava gente brasileira.
(Danilo Kuhn)
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