terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Nada é por acaso...



O Paulo Afonso, rapaz de classe média-alta, desapercebido do mundo, acabou por molhar seu tênis novo-branco-e-de-marca numa poça d’água. Chateado, seguiu até a parada de ônibus intermunicipal. Estava cumprindo compromissos da faculdade na cidade vizinha pela manhã, e meio-dia retornava para casa.

Chegando em casa, teve de trocar de roupa, visto que lhe agradara um sapatênis mais social que o atual calçado molhado. E o novo visual rendeu... A Ana Flávia, moça rica, pôs-lhe os olhos de pronto; sua atenção fora chamada pelo rapaz bonito e bem apresentado.

O tempo passa e com ele a vida segue adiante, um filme onde se pode ver o novo casal, unido pelo destino, pela fatídica poça d’água, enlaçar namoro.

No entanto, a moça rica era também faminta, tinha fome de sucesso, sucesso a qualquer custo. Modelo profissional, via sua vitória num certo concurso de beleza como algo essencial, vital. Tanto que subornou, conchavou, alinhavou, trapaceou, logrou, e conseguiu a almejada vitória. O que a Ana Flávia não previa era que seu namorado, pudico, desaprovaria seu comportamento, pois muitas vezes as armações da jovem saltavam aos olhos.

Retrocedendo o filme, voltando ao ponto inicial desta pequena história, encontramos novamente a fatídica poça, a mesma que molhou o tênis do Paulo Afonso e uniu-lhe à Ana Flávia... Sobre a poça luzia o sol, queimava no céu anil. A poça bem que tentou resistir aos encantos solares, mas acabou por entregar-se ao seu calor e evaporou. Fez-se nuvem branca a beijar o sol no céu. E a nuvem branca, após passear de carona com os ventos, derreteu-se e tornou-se chuva a refrescar a terra.

Enquanto o Paulo Afonso se arrumava para ir ao centro, após ter chegado da viagem, outra menina, a Cláudia, se aprontava e pretendia ir ao mesmo lugar, se cruzariam na mesma rua onde a Ana Flávia poria os olhos no rapaz. O problema foi que, no canto da cidade onde morava a Cláudia, moça de origem bem mais modesta que a modelo, choveu. A água da mesma poça que molhou o tênis novo-branco-e-de-marca do Paulo Afonso choveu sobre a Cláudia. Pobre moça. Esmaeceu. Desistiu de ir ao centro. Não cruzou com o Paulo Afonso. Sem querer, deixou o caminho livre para a rival que nem conhecera. Não conhecera sequer o seu amor, o Paulo Afonso.

Muito linda, a Cláudia, meio à contragosto, também concorreu no mesmo concurso que a Ana Flávia “venceu”. Muito mais linda era a Cláudia. Seus olhos reluziam a delicadeza das nuvens, o lume do sol e o frescor do vento. Humilde de origem, mas muito mais de espírito – uma das mais nobres virtudes –, a Cláudia não venceu o concurso, mas ganhou o coração do Paulo Afonso.

Seria mais fácil se o destino não aprontasse tanto, e deixasse o Paulo Afonso conhecer a Cláudia naquele dia fatídico em que uma poça d’água atrapalhou o amor por duas vezes? Mais fácil sim, mas não tão perfeito. A Ana Flávia não descobriria que os benefícios da desonestidade cobram um preço alto, o Paulo Afonso não contemplaria a beleza da simplicidade, e a Cláudia não teria certeza de que os seus valores valem a pena serem seguidos. Afinal, nada é por acaso...



(Danilo Kuhn)




3 comentários:

  1. Crônica publicada no jornal Diário Popular, de Pelotas, neste domingo último, 5 de fevereiro de 2012, em seu ano 122, nº 154, à página 20 do caderno Geral.

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