O Paulo
Afonso, rapaz de classe média-alta, desapercebido do mundo, acabou por molhar
seu tênis novo-branco-e-de-marca numa poça d’água. Chateado, seguiu até a
parada de ônibus intermunicipal. Estava cumprindo compromissos da faculdade na
cidade vizinha pela manhã, e meio-dia retornava para casa.
Chegando em casa, teve de trocar de roupa, visto que
lhe agradara um sapatênis mais social que o atual calçado molhado. E o novo
visual rendeu... A Ana Flávia, moça rica, pôs-lhe os olhos de pronto; sua
atenção fora chamada pelo rapaz bonito e bem apresentado.
O tempo passa e com ele a vida segue adiante, um
filme onde se pode ver o novo casal, unido pelo destino, pela fatídica poça
d’água, enlaçar namoro.
No entanto, a moça rica era também faminta, tinha
fome de sucesso, sucesso a qualquer custo. Modelo profissional, via sua vitória
num certo concurso de beleza como algo essencial, vital. Tanto que subornou,
conchavou, alinhavou, trapaceou, logrou, e conseguiu a almejada vitória. O que
a Ana Flávia não previa era que seu namorado, pudico, desaprovaria seu
comportamento, pois muitas vezes as armações da jovem saltavam aos olhos.
Retrocedendo o filme, voltando ao ponto inicial desta
pequena história, encontramos novamente a fatídica poça, a mesma que molhou o
tênis do Paulo Afonso e uniu-lhe à Ana Flávia... Sobre a poça luzia o sol,
queimava no céu anil. A poça bem que tentou resistir aos encantos solares, mas
acabou por entregar-se ao seu calor e evaporou. Fez-se nuvem branca a beijar o
sol no céu. E a nuvem branca, após passear de carona com os ventos, derreteu-se
e tornou-se chuva a refrescar a terra.
Enquanto o Paulo Afonso se arrumava para ir ao
centro, após ter chegado da viagem, outra menina, a Cláudia, se aprontava e
pretendia ir ao mesmo lugar, se cruzariam na mesma rua onde a Ana Flávia poria
os olhos no rapaz. O problema foi que, no canto da cidade onde morava a
Cláudia, moça de origem bem mais modesta que a modelo, choveu. A água da mesma
poça que molhou o tênis novo-branco-e-de-marca do Paulo Afonso choveu sobre a
Cláudia. Pobre moça. Esmaeceu. Desistiu de ir ao centro. Não cruzou com o Paulo
Afonso. Sem querer, deixou o caminho livre para a rival que nem conhecera. Não
conhecera sequer o seu amor, o Paulo Afonso.
Muito linda, a Cláudia, meio à contragosto, também
concorreu no mesmo concurso que a Ana Flávia “venceu”. Muito mais linda era a
Cláudia. Seus olhos reluziam a delicadeza das nuvens, o lume do sol e o frescor
do vento. Humilde de origem, mas muito mais de espírito – uma das mais nobres
virtudes –, a Cláudia não venceu o concurso, mas ganhou o coração do Paulo
Afonso.
Seria mais fácil se o destino não aprontasse tanto, e
deixasse o Paulo Afonso conhecer a Cláudia naquele dia fatídico em que uma poça
d’água atrapalhou o amor por duas vezes? Mais fácil sim, mas não tão perfeito.
A Ana Flávia não descobriria que os benefícios da desonestidade cobram um preço
alto, o Paulo Afonso não contemplaria a beleza da simplicidade, e a Cláudia não
teria certeza de que os seus valores valem a pena serem seguidos. Afinal, nada
é por acaso...
(Danilo Kuhn)
Crônica publicada no jornal Diário Popular, de Pelotas, neste domingo último, 5 de fevereiro de 2012, em seu ano 122, nº 154, à página 20 do caderno Geral.
ResponderExcluirÉ verdade nada é por acaso!
ResponderExcluirVerdade, Eloísa! Abraço!!!
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